quinta-feira, 21 de março de 2013

CINEMA: DEUS DA CARNIFICINA - quando o verniz social dá lugar a uma guerra.


O quanto nos vestimos (nos blindamos, nos escondemos) quando estamos no social? Essa parece ser a pergunta chave para o texto “Deus da Carnificina”, originalmente peça de teatro e recentemente transformado em filme por Polanski.

O tema em si já e bastante convidativo, mas o enredo desperta ainda mais a curiosidade: dois casais casados, de meia idade e relativamente com vidas já bem estruturadas se encontram para discutir uma briga de escola. O filho de um casal agrediu o filho do outro casal. Os pais do agredido resolvem convidar os pais do agressor para um “chá das cinco” em casa. E aí...

Bem, e aí o que acontece é o mais imprevisível à medida que os quatro vão se descobrindo do social (no sentido de “des” + “cobrir” = algo como “tirar o que está coberto”) e permitindo uns aos outros mutuamente se descobrirem (no sentido de “achar algo que estava desconhecido, oculto”, “fazer uma descoberta”). Mesmo que, em todos os quatro personagens, esse movimento seja mais involuntário do que propriamente proposital. É assim sempre: todo mundo quer manter as aparências.

O filme é brilhante (e ouso dizer, obra-prima) quando se percebe esse movimento, muito tênue e sutil. E, me desculpe Polanski, mas esse é um dos poucos filmes, acredito eu, que os trabalhos dos atores são mais importantes para o conjunto, pois as interpretações (e suas reações, entoações, pausas) são fundamentais. Daí encontramos Kate Winslet, Christoph Waltz (recém oscarizado), Jodie Foster e John Reilly.* Estamos bem acompanhados, não?

Há alguns jogos bem estruturados que dão os solavancos no enredo, para não cair numa conversa trivial e desinteressante: Nancy e Alan (Kate e Christoph) tentam ir embora, cordialmente, umas três ou quatro vezes e, por uma ou outra razão, nunca conseguem. Cada volta do casal parece que é uma peça da blindagem retirada: todos ficam um pouco mais no particular e um pouco menos no social. Até chegar ao apogeu, o momento em que Nancy vomita nos livros de Penélope (Jodie). Aí o trem sai completamente dos trilhos para não voltar mais. Isso fica claro nas cenas seguintes, quando os casais se separam e conversam particularmente; Nancy e Alan no banheiro, inclusive. Antes, Penélope e Michael oferecem uma torta de maçã, agora é um whisky mesmo.

E como todos estão no particular, surgem as inevitáveis brigas de marido e mulher de ambos os lados. De repente, as brigas de casais transformam-se em uma guerra de sexos. Enfim, é uma carnificina, uma peleja em que um destrói o outro até chegar ao nível insano que encerra a película. Uma obra que vale assistir pra lembrar que todos nós estamos sujeitos a uma carnificina quando valorizamos a aparência e preterimos a essência.


*Na montagem brasileira do texto para os palcos, os atores são Julia Lemmertz, Paulo Betti, Débora Evelyn e Odã Figueiredo. Você pode ler um pouco mais sobre a montagem aqui no blog

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