domingo, 7 de abril de 2013

FRASES VIII: Jorge Amado

"Sei, de um saber sem dúvidas, que de tudo quanto escrevi, milhares de páginas, só prevalecerá, só perdurará aquilo onde existir um sopro de vida vivida, o hálito do povo da Bahia. Dele tirei os materiais de minha humanidade, para ele criei e construí."



Jorge Amado, escritor brasileiro (1912-2001)

quarta-feira, 3 de abril de 2013

TEATRO: Todos Nós Somos Natalício Cavalo



Quando lemos as críticas, notícias ou o próprio programa do espetáculo, fala-se sempre que “Natalício Cavalo” é uma peça que trata sobre memória e morte. Arrisco dizer que a trama da peça é mais do que isso: “Natalício Cavalo” fala sobre todos nós, sobre o homem, a essência de ser humano – e suas expetativas, angústias, desejos e medos. E é isso que deixa o espetáculo tão bom e profundo: porque nossas feridas são tocadas delicadamente.


Logo no começo, por exemplo, somos convidados a – segurando uma folha seca na mão – lembrar fatos das nossas vidas, em silêncio. “Quem tem menos de 20 anos, pensa no ano-novo de 2009”, o ator diz. Começo a chorar. Passei parte dessa noite de réveillon no hospital, onde minha avó estava internada sob um estado terminal devido a um câncer que começara na bexiga, mas que naquela altura já havia se espalhado para outras partes do corpo. Foi o ano-novo mais triste da minha curta vida, pois sabia que uma das mulheres que mais amava tinha poucos dias de vida. De fato, minha avó morreu no dia 02 de janeiro de 2010 e até hoje sinto sua falta.

Mas o fato é que logo naquele instante, no escuro e mexendo a folha seca, a peça já havia mexido comigo. Singelo, Natalício já havia me conquistado. Quantos mais ele já teria conquistado antes mesmo de começar a peça – antes mesmo do seu nascimento?

Depois, o que se vê nos 90 minutos seguintes é o carimbo da Cia Rústica e de Patrícia Fagundes: trabalho árduo, impecáveis partituras corporais, trilha sonora ao vivo e imagens projetadas. Enquanto tudo isso acontece, a vida de Natalício Cavalo é contada com tantos detalhes e pormenores que ficamos em dúvida se é um personagem ficcional ou um personagem factual, perdido nas memórias esquecidas das tradições familiares.

Não sei se foi instintivo (e, portanto, coincidência) ou inspiração mesmo, mas não pude deixar de notar algumas semelhanças com o livro “O Anjo e o Resto de Nós”, da escritora gaúcha Letícia Wierchowski. Além do universo do pampa e da mãe que morre no parto, Natalício se parece muito com Bento Vendaval, o anti-herói do livro de Letícia, que “tinha por lema que a vida era curta e pouca e que tinha de ser vivida aos goles, e goles grandes”. Ambos têm uma vida desregrada e são tão conquistadores que acabam se perdendo nos jogos de amor: Natalício por ter um filho em cada esquina, Bento por envolver-se com três irmãs ao mesmo tempo sem que nenhuma soubesse da outra.


Esteticamente, a Cia Rústica não podia estar em melhor consonância de nome com o espetáculo. O cenário é rústico, construído apenas com caixas de madeira, malotes e malas escuras, que se transformam ao longo do espetáculo – ora são bancos de cabaré, ora balcão de rádio, peças de rodeio e até – vejam só! – cavalos. E os atores, tão familiares com os objetos, brincam, entrando e saindo de caixas, pulando de uma para outra, carregando malas de todas as maneiras. Aliás, os próprios personagens que interpretam também mudam todo o tempo, proporcionando um dinamismo surpreendente. O próprio Natalício é interpretado por três atores diferentes. São três Natalícios diferentes, à medida que este envelhece. Mais uma vez, falando de todos nós, do envelhecimento inevitável e das mudanças que todos sofremos.

De destaques específicos, a projeção dos trilhos de trem, a cena da gineteada e a cena em que Natalício dança com a morte (inevitável não pensar em José Saramago e em seu livro “As Intermitências da Morte”) e para o ator Heinz Limaverde, que brilha mesmo em silêncio, tamanha sua presença cênica. Definitivamente, sou fã desse cara!

Por fim, Natalício Cavalo é esse espetáculo que incomoda, que ficamos pensando por dias e dias, pois falam sobre a gente, mexem com a gente. Natalício é a gente. “Quando saímos do teatro já somos mais velhos, já estamos mais perto da morte”, o ator fala. Eu digo que quando saí do teatro já era outro, já podia ser interpretado por um outro ator. 

Em tempo: Natalício tem seu último final de semana no Teatro de Câmara Túlio Piva, com entrada franca. Sexta e sábado às 21h e domingo às 20h. Depois, o espetáculo seguirá para o Teatro Museu do Trabalho.